A mulher que acordava antes do sol para segurar o mundo com as mãos
Andava uma hora e meia até encontrar o trator. Depois, mais chão pela frente, poeira no rosto, cheiro de mato, e o corpo entregue à lida: plantar café. Um trabalho duro, feito em silêncio, com as mãos calejadas e a esperança presa no olhar. Não tinha romantismo — tinha necessidade. Tinha filho para alimentar, teto pra sustentar, e nenhum homem para dividir o peso. Mas também, nenhuma vontade de depender.
Ela sabia: o mundo não era justo. Lá na lavoura, homem e mulher faziam o mesmo. Às vezes, ela fazia até mais — porque o medo de perder o serviço fazia o braço render dobrado. Mas eles ganhavam oito cruzeiros, ela cinco. E ninguém achava isso estranho. Era "normal". Como se o esforço de uma mulher tivesse desconto. Como se a dor dela custasse menos.
Mas não tinha tempo pra revolta, não. Quem tem filho pequeno e salário miúdo não pode se dar ao luxo de lamentar demais. Ela apertava o lenço na cabeça, amarrava a raiva por dentro e seguia. Plantava café e esperança, com os joelhos sujos de terra e a dignidade limpa.
Enquanto ela enfrentava o sol na pele, os filhos dormiam, tomavam café com a avó, brincavam no terreiro. Eram felizes dentro do possível. Cresceram sem pai, mas com mãe em dobro. Porque aquela mulher nunca se escondeu da vida — enfrentou de frente, com a coragem dos que não têm escolha.
Às vezes, ela ouvia histórias de mulheres que choravam pelo marido que foi embora. “Ficou só com os filhos”, diziam, como se aquilo fosse um castigo. Ela engolia seco. Pensava nos próprios passos, nos próprios dias, e não conseguia se ver como vítima. Criar filhos sozinha era difícil, sim. Mas não era tragédia. Tragédia, pra ela, seria ter ficado parada. Ter se rendido. Ter esperado socorro de quem nunca veio.
A vida não deu moleza, mas ela também não pediu permissão pra ser forte.
Ela virou raiz. Cresceu de dentro pra fora. Fez do corpo enxada e da alma terra fértil.
Hoje, os filhos já são homens. E quando olham pra trás, veem muito mais do que infância simples. Veem heroísmo sem capa, amor sem condição e força sem plateia. Eles sabem que a mãe nunca foi só mãe. Foi pai, foi chão, foi luta. Foi mulher inteira, mesmo em pedaços.
E ela, que nunca se gabou de nada, só sorri. Porque sabe que venceu. Não o mundo, nem a injustiça — essas ainda estão aí. Mas venceu a si mesma, todos os dias. E isso, ninguém tira.

Texto e imagem criados por Raquel Ferreira

Moral da história:
Nem todo abandono é fraqueza, e nem toda ausência é tragédia. Às vezes, a maior força de uma mulher está em não depender de quem escolheu ir embora. Criar filhos sozinha não é um fardo — é um ato de coragem, de presença e de amor que não precisa de plateia. A justiça pode não vir no salário, mas vem no olhar dos filhos que crescem com orgulho de quem os criou com o pouco que tinha e tudo que era.
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